sábado, 14 de julho de 2007

Ediçaõ #1 - "O dia em que o calango falou comigo..."

Roteiro: Felipe Storino

Olá, meu nome é Michael Mitchel e eu sou o Homem-Lagartixa. É, esse mesmo com essa roupa ridícula de...lagartixa, oras. No momento eu tô numa situação um tanto quanto complicada, quatro idiotas armados resolveram assaltar um banco justo quando eu tava passando bem em frente e, como todo bom super-herói, eu parei pra prender os meliantes. As coisas não saíram bem como eu tinha planejado e eu tô numa situação não muito agradável, mas acho que todo super-herói já deve ter passado por isso no começo da carreira. Sim, isso mesmo, apesar da roupa e do nome ridículos, eu sou um super-herói. Tudo começou há mais ou menos duas semanas atrás.

*****

Duas semanas antes

Era mais um dia normal no colégio, os caras do time de futebol pegando as garotas mais gostosas, os nerds tramando altos planos contra os alunos populares...E no meio de tudo isso lá estava eu, Michael Mitchel, ou Mike para os amigos (tá bom, como se eu tivesse algum amigo). Fato é que eu não tinha nenhum amigo, não fazia parte de nenhum grupo, e ninguém me notava na escola, a não ser que fosse pra implicar comigo. Pra piorar a situação, eu nem sou inteligente como o Peter Parker, por exemplo, então se bobear vou ter que aturar tudo isso por mais uns três anos.

Mas vamos à parte que interessa. Eu tava no meu quarto numa boa, fazendo a minha lição de matemática (ou pelo menos tentando), quando resolvi trocar uma idéia com a minha única amiga: Lola, a minha iguana de estimação. Foi neste momento que eu levei o maior susto da minha vida, eu juro que escutei a Lola falando comigo, não falando na minha mente como eu costumo fazer às vezes, mas falando mesmo, na língua dos humanos. Foi quando percebi que não era a minha iguana que tava falando comigo, mas sim um calango grudado na parede. Eu achei que tinha sido apenas a minha imaginação, afinal, eu estava estudando matemática e esses números malditos sempre deixam a gente doido, mas eu juro que o desgraçado do calango falou de novo.

-Olá, Michael, acho que finalmente chegou o momento de nós conversarmos.

-Puta merda, o calango tá falando comigo, acho que eu pirei de vez. – Foi nessa hora que eu desmaiei.

Quando eu acordei, lá estava ele, o calango falante, olhando pra mim e, pior de tudo, ainda estava falando.

-Será que podemos conversar agora, Michael?

-Eu não acredito que você tá realmente falando comigo.

-Pode acreditar porque é a mais pura verdade. E fico feliz de ver que você não desmaiou novamente, a maioria passa por uns três desmaios.

-Maioria?

-Claro, ou você acha que é o primeiro escolhido?

-Escolhido pra que?

-Ora, pra combater o mal onde ele estiver, pra combater o mal na sua forma mais pura. Um grande mal se aproxima, Michael Mitchel, e você é o escolhido da sua geração, aquele que carregará os nossos poderes, o nosso legado.

-Então, quer dizer que eu vou ser um tipo de Homem-Lagarto ou Homem-Calango?

-Na verdade, você será o Homem-Lagartixa.

-Homem-Lagartixa?!?!?!?!?! Você tá de sacanagem né?

-Claro que não, é uma honra muito grande carregar o poder da grande Lagartixa Caolha.

-AI, MINHA SANTA GERTRUDE. Lagartixa caolha já é demais, eu tô sonhando, não é possível.

-Você deveria mostrar mais respeito pela Grande Lagartixa Caolha, afinal, é ela quem vai emprestar os poderes para você.

-Se você diz...

-Sim, eu digo. Você foi o escolhido da Lagartixa Caolha, a questão agora é se você aceita ou não esta grande dádiva.

-Aceita logo! – Diz uma voz que vem de cima da prateleira. Era Lola, minha iguana, agora ela também estava falando comigo.

-Lola, você também fala?

-Claro que ela fala – disse o estranho calango. – Todos nós falamos, mas só os portadores do poder da Lagartixa podem nos entender.

-Legal, finalmente eu vou poder conversar com a minha grande amiga Lola.

-Na verdade, é amigo, eu sou macho – disse Lola, para a minha surpresa.

-Putz, o cara da loja jurou que você era fêmea e...

-Esta discussão é irrelevante no momento – interrompeu o calango mala, num tom muito autoritário. – E então, Michael Mitchel, você aceita a missão que a Grande Lagartixa Caolha tem para você?

*****

O que você faz quando é um total fracasso no colégio, seu único amigo é uma iguana, e um calango falante lhe oferece poderes de um deus ancestral? Você aceita estes poderes, oras. É isso aí, aceitei os poderes da tal lagartixa caolha e o calango tosco me descolou um amuleto ancestral que faz com que eu me transforme e ganhe uns poderes legais. O problema é que o maldito nem me explicou direito como isso funciona, a única coisa que eu consegui com esse amuleto até agora foi uma roupa tosca de lagartixa e me grudar nas paredes e no teto. Essa parte de grudar no teto até que é bem legal.

Passei o resto da semana testando minhas habilidades recém adquiridas e tentando agir como um super-herói, afinal, o calango disse que eu teria a missão de combater o mal. Resolvi começar com coisas pequenas, pra ir me adaptando aos poucos a esta nova vida. Então, meu primeiro ato “heróico” foi ajudar uma garota muito linda a recuperar o gatinho que havia subido em cima de uma árvore; tudo bem, isso não é lá muito heróico, mas pra alguém que nunca foi bom em subir em árvores até que foi uma evolução tremenda.Quando dei por mim, lá estava eu subindo na árvore com aquela roupa ridícula de lagartixa e gritando frases de efeito do tipo: “Nada tema, com o Homem-Lagartixa não há problema!”. O ruim depois de ter salvado o gatinho foi ter que sair correndo da dona dele que ficou assustada, provavelmente com a minha roupa, e começou a querer me bater (e eu que tava pensando em pedir o telefone dela).

Com o passar dos dias, comecei a me arriscar um pouco mais, pulei o muro de uma casa, enfrentei um cão bravo e consegui recuperar a bola de umas crianças que brincavam na rua, pena que elas saíram correndo assustadas assim que me viram. Pelo menos, ganhei uma bola nova. Na escola, enquanto matava a aula de educação física pra ver as garotas jogarem vôlei, descobri que tenho um tipo de super visão. Eu estava de longe, tentando ver algumas bundas, quando de repente era como se eu estivesse lá, bem pertinho delas, mas na verdade eu estava longe. Resolvi chamar essa visão de Visão Além do Alcance, em homenagem aos Thundercats. Mas foi na saída da escola que eu me senti um verdadeiro herói; um marginalzinho roubou a bolsa de uma pobre velhinha e eu vi tudo do alto do poste onde eu tava pendurado. Não pensei duas vezes e pulei em cima do meliante, recuperando a bolsa da pobre senhora, mas quando fui devolver, a velha quis me bater com um guarda-chuva (preciso pensar seriamente em mudar de uniforme, andar por aí vestido de lagartixa não está sendo um bom negócio).

*****

Mas, finalmente, chegamos à parte que interessa: o grande assalto ao banco. Depois de passar uma semana com o Lola me enchendo a paciência dizendo que eu ñ estava fazendo nada com os meus poderes, resolvi sair pra dar uma jogadinha no fliperama. Foi então, que ao passar em frente a um banco, eu vi a oportunidade perfeita pra me tornar um super-herói famoso, quatro caras armados estavam fazendo um assalto e tudo que eu tinha que fazer era detê-los. Comecei a me perguntar se isso não seria obra da tal lagartixa caolha, talvez fosse obra dela colocar esses assaltantes na minha frente justo quando eu tava precisando fazer algo heróico. Só sei que não pensei duas vezes, me escondi em um canto, peguei meu amuleto e pronunciei a palavra mágica de transformação.

-Ahloacaxitragal.

Então, devidamente trajado eu parti pra cima dos miseráveis que já saíam de dentro do banco. O primeiro foi fácil, eu tinha o elemento surpresa ao meu lado, pulei bem na nuca dele e o cara foi a nocaute, mas eu ainda tinha três pra cuidar. Só dois estavam armados e, felizmente, eu já abatido um, então tratei logo de tentar pegar o outro que estava com uma pistola, mas foi aí que senti uma pancada na cabeça. Nem sei direito o que me atingiu, mas provavelmente foi o taco de beisebol que tá na mão de um dos assaltantes. Apaguei por um segundo, no máximo, mas quando abri os olhos o que eu vi não foi nada agradável: uma arma apontada bem pra minha testa.

*****

Agora

E foi assim que eu me meti nesta situação não muito agradável. Neste exato momento, eu tô tentando pensar no que os heróis dos quadrinhos fariam numa situação dessas, mas só consigo pensar mesmo é que eu vou morrer. E o pior é que eu vou morrer virgem.

-Putz, que fantasia mais ridícula. Dá até pena de matar um imbecil que sai na rua vestido desse jeito – diz o cara que está com a arma apontada pra mim.

Aí, eu faço a única coisa que uma pessoa sensata faria numa situação dessas, eu grito de medo. Pra falar a verdade, eu grito feito uma menininha. E não é que deu certo! Que maneiro, parece que eu tenho um tipo de hiper-grito, agora sim um poder que serve pra alguma coisa. Aproveito enquanto os safados estão assustados e começo a pular pelas paredes e a gritar na direção deles. Em dois tempos todos os bandidos estão desmaiados, prontinhos pra serem levados pelos policiais. E, enfim, a glória. Todos começam a perguntar quem sou eu, tanto os repórteres como a polícia.

-Povo de Alpha City – eu começo meu lindo discurso para as câmeras – vocês não têm mais o que temer, pois o Homem-Lagartixa está aqui para protegê-los.

-Então o seu nome é Homem-Lagartixa? – Pergunta um dos repórteres.

-É isso aí. E tem mais, eu...

-Escuta, garoto, você vem com a gente pra prestar depoimento – um dos policiais interrompe minha entrevista.

-Desculpe, oficial, mas não posso fazer isso. Afinal, tenho que manter minha identidade secreta, como todo bom super-herói.

Dito isso, eu começo a subir pelas paredes dos prédios pra ir embora. Talvez essa vida de super-herói não seja tão difícil, afinal de contas. Parando pra pensar agora, difícil mesmo vai ser aturar as piadinhas que eventualmente surgirão por causa do meu nome e...

-Aí ô Homem-Lagartixa, cuidado pra não soltar o rabo por aí heim. Uahahahahahahaha!!! – Piadinhas como essa gritada por um engraçadinho lá embaixo. Mas é melhor fingir que nem escutei, afinal, hoje é um dia feliz, eu consegui realizar meu primeiro ato realmente super-heróico. E por hoje é só.

*****

Epílogo:

Escondido nas sombras em um local desconhecido, uma figura sinistra assiste na TV as notícias sobre o Homem-Lagartixa. Claramente contrariado com o que acaba de ver, o estranho aponta sua mão para o aparelho de televisão fazendo com que o mesmo exploda.

-Então a Lagartixa Caolha escolheu o seu novo campeão? Pois bem, jovem réptil, é bom que esteja preparado para o que está por vir, e aproveite o pouco tempo de vida que lhe resta.

A seguir: “A Lagarta Voadora”